Eu não sirvo de exemplo
para nada, mas, se você quer saber se isso épossível, me ofereço como piloto de
testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer.
Uma imperfeita que faz
tudo o que precisa fazer, como boa profissional emulher que também sou:
trabalho todos os dias, ganho minha grana,vou ao supermercado algumas vezes por
semana, decido o cardápio das refeições, telefono para minha mãe, para minha
sogra, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas,
respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, faço
academia, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos,
participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova
toda semana - e as unhas! E, entre uma coisa e outra, leio livros. Portanto,
sou ocupada, mas não uma workaholic. Por mais disciplinada e responsável que eu
seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres. Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás. Existe
a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa
Zero. Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou
o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros.
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram
é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho. Você
não é Nossa Senhora. Você é, humildemente, uma mulher. E, se não aprender a
delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida
interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta,
não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para
si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo. Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo para
bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três
dias. Cinco dias! Tempo para uma massagem. Tempo para ver a novela. Tempo para
receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza. Tempo para
fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para seu
quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Voltar a estudar. Para engravidar.
Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado. Tempo,
principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e
profissional sem deixar de existir. Porque nossa existência não é contabilizada
por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam
nossa caixa postal. Existir, a que será que se destina? Destina-se a ter o
tempo a favor, e não contra. A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que,
se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será
bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem. Precisa
respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si. Se o
trabalho é um pedação de sua vida, ótimo! Nada é mais elegante, charmoso e
inteligente do que ser independente. Mulher que se sustenta fica muito mais
sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons
momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a
mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.
Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel
decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C. Mas, se você precisa vender a
alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus
valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar
e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas
e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante.
Martha Medeiros