Essa Cláudia de quem falo, por causa dos gregos, era repetente, e a mãe dela vivia se queixando para a minha: “Ai, a Claudia”. E não era só a mãe. Professores, colegas, bastava alguém mencioná-la e todos suspiravam: “Ai, a Cláudia”. Porque ela era muito esquisita, tonta, e se não conseguia guardar nem os nomes das cidades gregas, como poderia lembrar-se de algo como “ Viajante, vai dizer em Esparta que morremos para cumprir suas leis”?
Aproximando-se os exames de fim de ano, aumentava o desespero da mãe dela; “Dona Glória, eu não sobrevivo”, ela gemia, debruçada na cerquinha de taquaras. Tanto se lamentou que minha mãe, solidária, ofereceu o filho.
Dona Cotinha arregalou os olhos.
– Ele? Aquele ali?
Duvidosa, franzia a testa e o nariz. A mãe riu, ai, vizinha, a senhora é de morte, e foi buscar meu boletim. Veja só, agosto dez, setembro dez, outubro nove, a História, como se diz, ele já pealou de volta.
Dona Cotinha me olhava, admirada.
– O que é que ele está fazendo ali?
No dia seguinte começamos a lutar com os gregos. No fundo do pátio havia um taquaral, era um lugar sombroso, quieto, nós nos sentávamos no chão com os livros no colo, à nossa volta os outros materiais de estudo: tiras de papel, goma-arábica e linha.
Um país montanhoso, a Grécia, precioso o seu litoral cheio de enseadas, cabos, ilhas. Um país romântico. Páris fugindo com Helena, os amores de Ares e Afrodite, a deusa Tétis entregando-se a um mortal, e um pequeno sacrifício, um intervalo, afinal para coisas horríveis como Hilotas e Periecos.
Ainda na primeira semana descobri que Claudia usava sutiã e raspava as axilas. Uma surpresa atrás da outra, pois descobri também, no susto, como Claudia era bonita.
Na véspera do exame vieram as guerras greco-pérsicas. Tínhamos dois rolinhos prontos e o resto da matéria ia nas pernas dela.
Não pode tomar banho – avisei.
Com pena e nanquim, ora escrevia ela, ora escrevia eu, e eu, a Pérsia desvairada, eu tomava a praia Maratona, suas dunas morenas, seus pastos dourados, mas tomava e a perdia em avanços e recuos de incerta glória, porque à frente se me opunham dez mil atenienses e os mil voluntários de Platéia, ciosos de seu passado invicto. E se intentava um caminho inverso, pobre Xerxes, lá me defrontava com Leônidas e seus trezentos espartanos loucos. Um impasse e Claudia me olhou, vermelha.
– Chega, esse ponto pode não cair.
Comecei a escrever.: “Ao norte da Grécia, entre os montes...” Ela encolheu-se, levantou-se e foi embora.
Claudia passou no exame, mas não apareceu para contar. Eu o soube por Dona Cotinha, que fez um alvoroço no quintal. “Fenômeno”, gritava, e ao agradecer, exultante, a colaboração da vizinha, lascou:
– Dona Glória, a senhora é uma mulher de sorte. Uma boa casa, um marido que não é putanheiro e um filhote que não se arrenega, chiquitín pero cumplidor.
Minha mãe sorriu, modesta. Perguntou pela Claudia, está feliz a pobrezinha? Imagine, Dona Glória, está no céu, mas... E confessou que Claudia andava quieta, arredia, decerto era fraqueza pelo esforço feito.
– Que nada – disse a mãe. Ela já...?
– Então é isso. Dá anemia.
No outro dia, finalmente, Claudia veio ao pátio.
– A tinta não saiu – e olhava para o chão.
Perguntei se tinha esfregado. Tinha. Então tem que ser com sabão especial, eu disse, de mecânico.
Achei graça, não é isso, é um sabão cor-de-rosa que se compra no armazém. Ela riu também. Como era bonita, a Claudia. À tardinha fui encontrá-la no taquaral, levando balde, esponja e o sabão. Ela sentou-se, ergueu a saia. Eu molhava, ensaboava, esfregava, molhava de novo, ai , a Claudia, quase no fim, ofegando, ela apertou minha mão com as pernas.
– Então limpa – murmurou, fechando os olhos.
Ao norte da Grécia, entre os montes, havia um desfiladeiro que era preciso atravessar para consumar a invasão. Era uma passagem muito estreita, quase inacessível, mas o dedo de um traidor guiou o inimigo por um caminho secreto da montanha.