sábado, 18 de abril de 2015

Como um lápis

O menino olhava a avó escrevendo uma carta. A certa altura, perguntou:
- Você está escrevendo uma história que aconteceu conosco? E por acaso, é uma história sobre mim?
A avó parou a carta, sorriu, e comentou com o neto:
- Estou escrevendo sobre você, é verdade. Entretanto, mais importante do que as palavras é o lápis que estou usando. Gostaria que você fosse como ele, quando crescesse.

O menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial.
- Mas ele é igual a todos os lápis que vi em minha vida!
- Tudo depende do modo como você olha as coisas. Há cinco qualidades nele que, se você conseguir mantê-las, será sempre uma pessoa em paz com o mundo.

“Primeira qualidade: você pode fazer grandes coisas, mas não deve esquecer nunca que existe uma Mão que guia seus passos. Esta mão nós chamamos de Deus, e Ele deve sempre conduzi-lo em direção à Sua vontade”.
“Segunda qualidade: de vez em quando eu preciso parar o que estou escrevendo, e usar o apontador. Isso faz com que o lápis sofra um pouco, mas no final, ele está mais afiado. Portanto, saiba suportar algumas dores, porque elas lhe farão ser uma pessoa melhor”.
“Terceira qualidade: o lápis sempre permite que usemos uma borracha para apagar aquilo que estava errado. Entenda que corrigir uma coisa que fizemos não é necessariamente algo mau, mas algo importante para nos manter no caminho da justiça”.
“Quarta qualidade: o que realmente importa no lápis não é a madeira ou sua forma exterior, mas o grafite que está dentro. Portanto, sempre cuide daquilo que acontece dentro de você”.
“Finalmente, a quinta qualidade do lápis: ele sempre deixa uma marca. Da mesma maneira, saiba que tudo que você fizer na vida irá deixar traços, e procure ser consciente de cada ação”.

Guerras greco-pérsicas - Sergio Faraco

Essa Cláudia de quem falo, por causa dos gregos, era repetente, e a mãe dela vivia se queixando para a minha: “Ai, a Claudia”. E não era só a mãe. Professores, colegas, bastava alguém mencioná-la e todos suspiravam: “Ai, a Cláudia”. Porque ela era muito esquisita, tonta, e se não conseguia guardar nem os nomes das cidades gregas, como poderia lembrar-se de algo como “ Viajante, vai dizer em Esparta que morremos para cumprir suas leis”?
Aproximando-se os exames de fim de ano, aumentava o desespero da mãe dela; “Dona Glória, eu não sobrevivo”, ela gemia, debruçada na cerquinha de taquaras. Tanto se lamentou que minha mãe, solidária, ofereceu o filho.
– Quem sabe ele ajuda.
Dona Cotinha arregalou os olhos.
– Ele? Aquele ali?
Duvidosa, franzia a testa e o nariz. A mãe riu, ai, vizinha, a senhora é de morte, e foi buscar meu boletim. Veja só, agosto dez, setembro dez, outubro nove, a História, como se diz, ele já pealou de volta.
Dona Cotinha me olhava, admirada.
– O que é que ele está fazendo ali?
Operando um sapo.
– Virgem.
No dia seguinte começamos a lutar com os gregos. No fundo do pátio havia um taquaral, era um lugar sombroso, quieto, nós nos sentávamos no chão com os livros no colo, à nossa volta os outros materiais de estudo: tiras de papel, goma-arábica e linha.
E toca a fazer rolinho.
Um país montanhoso, a Grécia, precioso o seu litoral cheio de enseadas, cabos, ilhas. Um país romântico. Páris fugindo com Helena, os amores de Ares e Afrodite, a deusa Tétis entregando-se a um mortal, e um pequeno sacrifício, um intervalo, afinal para coisas horríveis como Hilotas e Periecos.
Ainda na primeira semana descobri que Claudia usava sutiã e raspava as axilas. Uma surpresa atrás da outra, pois descobri também, no susto, como Claudia era bonita.
Na véspera do exame vieram as guerras greco-pérsicas. Tínhamos dois rolinhos prontos e o resto da matéria ia nas pernas dela.
Não pode tomar banho – avisei.
Com pena e nanquim, ora escrevia ela, ora escrevia eu, e eu, a Pérsia desvairada, eu tomava a praia Maratona, suas dunas morenas, seus pastos dourados, mas tomava e a perdia em avanços e recuos de incerta glória, porque à frente se me opunham dez mil atenienses e os mil voluntários de Platéia, ciosos de seu passado invicto. E se intentava um caminho inverso, pobre Xerxes, lá me defrontava com Leônidas e seus trezentos espartanos loucos. Um impasse e Claudia me olhou, vermelha.
– Chega, esse ponto pode não cair.
– E se cair...
Comecei a escrever.: “Ao norte da Grécia, entre os montes...” Ela encolheu-se, levantou-se e foi embora.
Claudia passou no exame, mas não apareceu para contar. Eu o soube por Dona Cotinha, que fez um alvoroço no quintal. “Fenômeno”, gritava, e ao agradecer, exultante, a colaboração da vizinha, lascou:
– Dona Glória, a senhora é uma mulher de sorte. Uma boa casa, um marido que não é putanheiro e um filhote que não se arrenega, chiquitín pero cumplidor.
Minha mãe sorriu, modesta. Perguntou pela Claudia, está feliz a pobrezinha? Imagine, Dona Glória, está no céu, mas... E confessou que Claudia andava quieta, arredia, decerto era fraqueza pelo esforço feito.
– Que nada – disse a mãe. Ela já...?
– Já.
– Então é isso. Dá anemia.
No outro dia, finalmente, Claudia veio ao pátio.
– A tinta não saiu – e olhava para o chão.
Perguntei se tinha esfregado. Tinha. Então tem que ser com sabão especial, eu disse, de mecânico.
– Na oficina eu não vou.
Achei graça, não é isso, é um sabão cor-de-rosa que se compra no armazém. Ela riu também. Como era bonita, a Claudia. À tardinha fui encontrá-la no taquaral, levando balde, esponja e o sabão. Ela sentou-se, ergueu a saia. Eu molhava, ensaboava, esfregava, molhava de novo, ai , a Claudia, quase no fim, ofegando, ela apertou minha mão com as pernas.
– Falta muito?
– Só as Termópilas.
– Então limpa – murmurou, fechando os olhos.
Ao norte da Grécia, entre os montes, havia um desfiladeiro que era preciso atravessar para consumar a invasão. Era uma passagem muito estreita, quase inacessível, mas o dedo de um traidor guiou o inimigo por um caminho secreto da montanha.

O copo de água

O COPO DE ÁGUA Um conferencista falava sobre gerenciamento da tensão. Levantou um copo com água e perguntou à platéia: - Quanto você...